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Paulo Afonso-BA, 27 de novembro de 2024

“Asfalto selvagem”

Paulo Afonso anos 70

“Os homens eram loucos para me possuir por um minuto”, Marlene Alves da Silva, 65 anos, conhecida “Carmem Miranda” nos tempos de luxúria do Roda Viva, cabaré que ombreava peões e políticos graúdos atraídos pelo perfume de gardênia, vindo de mulheres de todas as regiões desse alto Sertão, a começar pela administradora, Maria Dulcinéia ‘Dulce”, 86 anos.

O que viria pela frente, a Paulo Afonso da Carmem Miranda aposentada, jardineira da escola Carlina Barbosa de Deus, parece ter esquecido o que foi essa cidade, especialmente a vida nas ‘casas de recursos’, para ficar numa expressão antiga, como a que remete essa reportagem, que implicava no esfacelamento de casamentos, em brigas, tentativa de assassinato e até em morte.

“O pai de Val [Dernival Oliveira] chegava no cabaré com uma mala, aquela zero zero sete, e quando ia abrir, eu pensava ‘esse deve tá cheio de dinheiro’, mas eram roupas porque ele passava três dias por lá, e só saia quando dona Sônia ia fazer uma briga”, conta Carmem, ouvida atentamente por Val, que admitiu a patuscada.

A prostituição nos anos 70

“Meu pai largou a gente aqui. Minha mãe veio de Palmeira dos Índios -Alagoas; sei minha filha que ela ficou pedindo esmolas nas esquinas, e eu nascendo os peitinhos vendo aquilo… Os vagabundos que não queriam dar esmolas diziam assim: “essa velha ainda trepa?, se eu tivesse um revolver atirava na cara!”; então eu não me arrependo de ter feito isso para sustentá-los. Foram 8 anos de asfalto. Naquele tempo, se a dona do cabaré soubesse que uma prostituta fazia certo tipo de coisa [sexo anal, oral, ou suruba] ela era expulsa do cabaré porque aquilo botava a perder as prostitutas. Eu vi um caso desses e a dona não contou história”, narra a mulher dos seios mais bonitos do asfalto selvagem de Paulo Afonso nos anos 70.

O sutiã em minha vida

“Eu nunca usei sutiã. Não precisava, mas quando minha mãe morreu e eu saí da noite, apareceu uma oportunidade de trabalho [Val ajudou a memória de Carmem] no colégio Carlina, mas aí me disseram que eu tinha que usar um sutiã, pois senão, os meninos não iam prestar atenção nas aulas, mas só nos meus peitos. Sabe de uma coisa, me coloque para fora!, mas eu fui ficando…  Cuidei muito daquele jardim, atraí muita gente, “avisa lá/ avisa lá/ avisa lá que vou ô ô/ avisa lá que eu vou/…” como eu só vivia cantando essa música me colocaram o apelido de “Avisa lá”.

Os políticos, a política no cabaré

De deputados federais, prefeitos e vereadores [ até um desembargador] foram muitos assuntos inerentes à vida pública despejados nos ouvidos da Carmem.

Entrevistei Carmem Miranda.

E Diniz?

“Eu tinha raiva de Diniz, ele morreu, que Deus o receba, mas eu tinha raiva dele porque ele não sabia se expressar, chegava no meio do povo e dizia: “A rapariga que mais luxou dentro de Paulo Afonso!”, isso lá é conversa de ninguém andar falando… Não olhava se tinha criança, não olhava meu estado de espírito… Passou.”

O feminicídio atravessa a vida de Carmem, dor, sofrimento… Saudades

O tom alegre  e descontraído da conversa, que nos acompanhava nos primeiros 15 minutos, quando Carmem falava do companheiro de 30 anos, com quem vive até hoje, deu lugar a um choro incontido.

Carmem teve a única filha assassinada. O crime aconteceu há seis anos. Quando o então companheiro, segundo Carmem, lhe deu pauladas na cabeça.

“Ela não resistiu filha. Minha filha foi, morreu.”

Sexo e drogas

“O que se usava naquele tempo era maconha. Porque quando chegava um cliente assim ou você fumava com ele ou correia risco de morte. Eles achavam que a gente ia “cabuetar”.

Como vocês conseguiram não ser fisgadas pela Aids?

“Até 70, 75 já sabíamos que existia lá pelos Estados Unidos – e numa parte eu achei bom, quem manda vir misturar sexo anal com vaginal?-, apareceu por isso. Naquele tempo era difícil ter a viadagem.”

O cabaré sem homens para os clientes hoje é inviável?

Eu saí porque Dulce me expulsou, eu passei o dia comendo buchada, e Pitú Serra Grande. Foi uma época, as pessoas se comportavam de forma diferente. Hoje tudo mudou.

Ouça um trechinho do nosso papo:

 

 

 

 

“Asfalto Selvagem” [da obra de Nelson Rodrigues]

Ilustra o texto, uma foto do cabaré Roda Vida.

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